segunda-feira, 9 de julho de 2012

Na Bahia, famílias vivem de vento


Por Ramona Ordoñez (ramona@oglobo.com.br) | Agência O Globo 
CAETITÉ e GUANAMBI (BA) - Se você acha impossível viver de vento, reveja seus conceitos, porque é o que está acontecendo com 300 famílias no Sertão da Bahia, uma região castigada pela seca. Como Terezinha Maria da Rocha Paes, que, com o plantio de palma e capim, vendidos para quem tem gado, sobrevivia com uma renda entre R$ 600 e mil reais por ano em Caetité. Ao arrendar suas terras para a instalação de uma torre de energia eólica, Terezinha garantiu R$ 5.500 anuais, mais uma casa de quatro quartos mobiliada - porque sua antiga casa estava muito próxima da torre -, onde ela vive com o marido, os dois filhos e a mãe.
- Foi uma bênção, mas meus irmãos quase me matam porque diziam que a empresa ia tomar minha terra - conta Terezinha, rindo.
Na região onde fica o terreno de Terezinha foram instaladas 184 torres aerogeradoras da Renova Energia, para a criação do Complexo Eólico Alto Sertão, o maior da América Latina, com 14 parques eólicos. O Complexo, que será inaugurado amanhã, tem 294 megawatts (MW) de potência instalada, suficientes para atender a 540 mil residências (cerca de 1,5 milhão de pessoas). A empresa investiu R$ 1,2 bilhão no projeto.
O complexo abrange os municípios de Caetité, Igaporã e Guanambi, no Sudoeste da Bahia, a 750 quilômetros de Salvador. Cerca de 135 mil habitantes dos três municípios, principalmente moradores da zona rural que viviam em extrema pobreza, estão sendo beneficiados pelo aumento da renda.
Em fase de estudo, um projeto com a Light
Apesar de o complexo ter ficado pronto no prazo previsto, ainda não poderá gerar energia. Isto porque a geradora estatal Chesf não concluiu a subestação e a linha de transmissão necessária para receber a energia eólica da Renova e jogá-la no Sistema Interligado Nacional (SIN). As informações são de que a companhia teve problemas com a obtenção das licenças ambientais para construir a linha de transmissão de 120 quilômetros. Mas, pelo contrato assinado no leilão de 2009, a Renova tem garantido o pagamento, pelo governo federal, de no mínimo 134MW - a energia que ela se comprometeu a oferecer nos prazos que está cumprindo.
O diretor-presidente da Renova, Mathias Becker, garante que, para a companhia, não interessa receber sem gerar energia. Por isso, busca colaborar para acelerar as obras da linha de transmissão. A previsão é que esta só fique pronta em setembro do ano que vem.
O prefeito de Caetité, José Barreira (PSB-BA), conta que a chegada da Renova foi muito boa para a região em termos socioeconômicos, não apenas pela geração de empregos na construção e operação do complexo, mas principalmente pelos projetos sociais, como o Programa Catavento, e da melhoria da renda da população rural, que era muito pobre, o que incrementou a economia local.
Com sua nova fonte de renda, Terezinha, por exemplo, já conseguiu construir uma casa para um de seus filhos. Alguns têm apenas uma torre em suas terras, mas há quem tenha até 11 - e por cada uma delas recebe R$ 5.500 anuais, o valor de mercado. Uma grande mudança para quem vivia da agricultura familiar para subsistência, plantando principalmente mandioca, tomate, palma e capim, estes dois para o gado.
Quando a Renova chegou, muitos moradores ficaram desconfiados e não aceitaram arrendar as terras. A empresa teve de alterar o projeto e mudar o local de algumas torres. Hoje, conta Terezinha, quem era contra está arrependido.
Jesulino Barbosa Neto e sua mulher continuam plantando mandioca, que ele leva para vender na cidade em um carro de boi que ele mesmo construiu. Sua renda não passava de R$ 400 anuais. Agora, com o que recebe pelo arrendamento de sua terra, conta com orgulho, ele paga a faculdade de medicina em Salvador para um de seus oito filhos:
- Eu não fiquei com medo, minha renda melhorou muito, não dá nem para falar, foi uma beleza. E agora estou pagando a faculdade do meu filho. Essa torre para mim foi uma maravilha. Mas tinha pessoas que perdiam o sono com medo de perder a terra.
Becker conta ainda que, em outubro, a Renova dá início a mais dois complexos eólicos, com investimentos de R$ 1,8 bilhão. O primeiro terá seis parques eólicos com 103 torres, com capacidade instalada de 153MW. Ele deve entrar em operação em setembro de 2013. O outro terá nove parques com 127 torres e capacidade instalada de 212,6MW. Este está previsto para julho de 2014.
Mais R$ 1,4 bilhão será investido em um projeto ainda em fase de detalhamento, de 400MW, com energia que será vendida para a distribuidora carioca Light. Esta tem 25,8% do capital da Renova, adquiridos no início deste ano por R$ 360 milhões. O outro sócio controlador é a RR Participações, dos fundadores da Renova, Ricardo Delneri e Renato Amaral.
Becker diz ainda que até o início de agosto o BNDES entrará como sócio, com um aporte de R$ 315 milhões, passando a ter 12% do capital total.
O preço da energia eólica vem caindo a cada ano. Segundo o coordenador do Complexo do Alto Sertão, Roberto Araújo, no primeiro leilão, em 2009, a energia contratada saiu a R$ 144,99 o megawatt-hora (MW/h). Já para o parque que entrará em operação em 2013, o custo ficou em R$121,25 o MW/h. Para o terceiro, caiu a R$ 98,53 o MW/h.
Brasil se prepara para salto no setor
Nunca os ventos sopraram tão forte no Brasil. No ano que vem o país se tornará o décimo do mundo em capacidade instalada, com 5.183 megawatts (MW) de geração eólica - hoje, está em 20 lugar. A projeção é do presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, ao lembrar dos projetos que entrarão em operação, como o da Renova Energia, a partir deste ano. E o Brasil já tem o menor preço de energia eólica do mundo, em torno de R$ 105 o megawatt-hora (MW/h).
- A geração eólica se tornou competitiva. É claro que vamos precisar das térmicas, porque pode ter um dia com menos vento. Mas diminui-se o acionamento das térmicas a gás - diz Tolmasquim.
Este ano a geração de energia eólica vai mais que dobrar em relação a 2011, passando de 1.471MW instalados para 3.135MW. Com os projetos em construção, a expectativa é chegar a 2016 com capacidade de geração eólica de 8.088MW, seis vezes mais que em 2011.
Segundo Tolmasquim, a energia eólica tornou-se mais competitiva com a vinda para o país de inúmeros fabricantes em busca de novos mercados, devido à crise na Europa. E, no Brasil, a energia eólica pode complementar a hídrica, já que a maior frequência dos ventos ocorre entre maio e novembro, o período seco dos rios, quando é preciso reduzir a geração nas hidrelétricas.
- Não tem como armazenar a energia eólica. Mas pode-se estocá-la nos reservatórios das hidrelétricas na forma de água. Na hora em que está ventando, para-se de gerar a hídrica e estoca-se a água no reservatório. Quando para de ventar, usa-se a água para gerar. O reservatório é a bateria da hídrica - afirma Tolmasquim.
O potencial eólico estimado no Brasil hoje é de 143 mil MW, mas Tolmasquim acredita que pode chegar a 300 mil MW. Isso porque esse potencial foi calculado considerando torres de 50m de altura, e hoje já existem torres de 80m a 100m, o que eleva a capacidade de geração.
- A térmica tem o custo do combustível e o impacto ambiental que a eólica não tem. A eólica é uma importante fonte de energia complementar - diz Tolmasquim
* A repórter viajou a convite da Renova Energia

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